Um Copo de Água Fria

colaboração: Judas Tadeu


Um Copo de Água Fria
(Episódio da grande guerra)

Durante uma longa viagem em estrada de ferro, estava eu, há algum tempo, num dia de extenuante calor, em companhia dum oficial de cavalaria, que tinha tomado parte em alguns combates na grande guerra.
Contou-nos alguns episódios, mas nenhum me impressionou tanto como o que se segue:
- Foi, dia ele, no dia seguinte ao duma vitória custosamente ganha com esforços e cansaço extraordinários. Tinham-me encarregado de levar uma ordem importante à retaguarda, quando, no momento de partir, o meu cavalo, estafado, recusou marchar; mancava e não podia mesmo caminhar. Sem demora, fui buscar outro; este era tão bravo e manhoso, que alguns minutos se passaram antes que me tivesse sido possível montá-lo e sujeitá-lo à obediência. Empinava, escoiceava e quando eu estava quase a vencê-lo, estacava ao menor obstáculo e continuava os seus pinotes.
Entretanto, era preciso apressar-me; a mensagem de que eu era portador não admitia nenhuma demora, e a estrada, obstruída com tropas e materiais, dificultava ainda mais a minha viagem. Era meio-dia e estava apenas a meio caminho. O ar estava pesado e abafadiço; nuvens de pó secavam-me a garganta. Estava esfalfado o meu cantil estava vazio, sentia-me a desfalecer. Numa volta do caminho descobri uma fonte abundante, junto da qual alguns soldados descansavam e enchiam os seus cantis.
Desejava descer para fazer o mesmo, mas o cavalo, como que pressentindo a minha intenção, deu pinotes tão furiosos, que tive de renunciar à minha tentativa, para não excitar os risos grosseiros do acampamento.
Aborrecido com este contratempo, desatei o meu cantil e, dirigindo-me a um dos soldados, o único que parecia não se rir do meu infortúnio, estendi-lho, pedindo-lhe que mo enchesse.
Era de mau aspecto, de sobrecenho carregado; ainda assim estava eu longe de esperar resposta tão cruel:
- Encha-o você !
Diante destas palavras, a minha cólera não teve limites.
- Desgraçado ! - gritei-lhe; - tomara um dia o encontre a morrer de sede e a pedir um copo de água fria, para eu ter também o prazer de lho recuar !
Em seguida, dei de esporas ao cavalo e parti numa corrida desenfreada, sem fazer caso dos convites dos outros soldados, que me gritavam que voltasse.
Uma légua depois um rapazinho, compadecido, deu-me água, a mim e ao meu cavalo. Em troca dei-lhe um punhado de dinheiro, mas, comparando a prontidão que ele teve em me servir com a conduta dos meus companheiros d'armas, senti como que uma onda de ódio a revolver-se dentro de mim.
O rosto daquele soldado gravou-se-me em traços indeléveis na imaginação; e jurei procurá-lo - Deus me perdoe ! - até me poder vingar. Durante dois anos, nos campos de batalha, entre os moribundos, continuei sem resultado esta busca ímpia. Enfim, chegou o dia.

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